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2.12.07

Era uma vez um monstro que desejou ser um homem. Esse era um monstro muito esperto -- e também muito obstinado -- de modo que em pouco tempo já conseguira moldar seu corpo no feitio de um homem. "Agora sou um homem" pensou. E era uma pessoa completa: mesmo os dedos dos pés tinham unhas e ele não esquecera nem daquela carninha vermelha no canto dos olhos nem dos dentes lá de trás.

Parecia mesmo um homem completo. Mas que tipo de homem ele era? Isso ele ainda não sabia. Isso não tinha resolvido. Resolveu então o monstro -- já travestido de homem -- observar os homens. Com sua nova pele misturou-se às pessoas nas ruas e constatou feliz que seu disfarce não era percebido. Pôs-se a estudar os vários tipos de gentes, de modo a decidir qual melhor lhe servisse. "Sou um homem jovem" raciocinou, "não me cabem os modos de um velho ou de uma mulher."

Então, esquecendo-se de que não tinha pais (uma vez que não era uma pessoa de verdade) desejou ser um jovem de quem os pais se orgulhassem. Tornou-se então um amante do conhecimento, aplicou-se aos estudos e se fez um filho exemplar -- ou teria sido um filho exemplar se fosse filho de alguém que não ele mesmo. De todo modo, os mais velhos o admiravam e perguntavam a seus filhos por que não eram como o monstro. Mas os filhos, os jovens, esses não lhe davam importância e riam-se dele. Ele tinha o respeito dos velhos mas ele era um homem jovem e isso não bastava.

Então ele desejou ter amigos. E da mesma maneira que moldara seu corpo monstruoso na forma de um homem, ele agora moldaria seu caráter na forma de um jovem popular. Tornou-se assim festeiro e freqüentador dos mais diversos círculos. Fez inúmeros amigos e conquanto hoje os velhos o considerem má influência, os filhos destes o adoram e procuram sempre sua companhia. Se o monstro tivesse pais, eles estariam desconsolados.

Mas um dia também este brinquedo o cansará, como o cansaram outros. Pois antes de ser gente o monstro foi muitas coisas e nenhuma delas o satisfez por muito tempo. Muitas coisas o monstro já foi e muitas coisas será e o que lhe enfada é mesmo ser monstro. Mas destino do monstro é não ser coisa alguma. O destino do monstro é ser monstro.

Um Monstro [Juliana Coelho]

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